1. O artigo mais recente do amigo Pedro Sousa, no Povo de Fafe, com o título “a blogosfera está a enriquecer Fafe”, suscita-me algumas considerações. Peço desculpa de ter de contrariar algumas das suas boas intenções.
Nele refere, designadamente, que “Fafe tem uma rede de blogues plural e diversificada”, o que é excelente. Considera depois que, “se até há bem pouco tempo não se olhava para a blogosfera como uma realidade fidedigna, hoje esta barreira está praticamente ultrapassada, devendo-se a dois factores fundamentais: identificação das fontes (indivíduos já conhecidos de outras lides e outros que vão surgindo no mesmo grupo) e a seriedade como são tratados os assuntos”. Nomeia depois três blogues alegadamente interessantes, o que é obviamente subjectivo.
Pedro Sousa considera, por ouro lado, que “é certo que a imprensa escrita é um meio fundamental para a comunicação e divulgação do que se passa no concelho, mas a blogosfera torna-se um complemento por excelência”.
2. Que a blogosfera é, hoje em dia, uma realidade incontornável para quem procura a informação mas, sobretudo, o comentário e a opinião sobre os acontecimentos, sejam numa dada localidade, no país ou no mundo, não há qualquer dúvida.
Praticamente desconhecidos ou escassamente utilizados ainda há poucos anos, os blogues explodem diariamente como cogumelos pelo espaço virtual. São do mais diverso género e pretendem atingir os públicos mais globais, bastando que para tal disponham dos requisitos mínimos, como seja um computador com ligação à internet. Substituindo um pouco o secular diário pessoal das nossas infâncias, em cujas páginas o leitor ia apondo os seus textos, os seus poemas, os seus desenhos, as suas análises ao que se passava à sua volta, os blogues constituem, na actualidade, a forma como os cidadãos vão reagindo ao momento, em cima das ocorrências. Alvitrando, julgando, avaliando, aplaudindo ou censurando. Os blogues acabam por se transformar na voz dos que não têm voz no dia-a-dia dos jornais ou, genericamente, da comunicação social, cada vez mais reduzida ao papel de porta-voz dos grandes interesses políticos, económicos, culturais ou desportivos deste país.
Assim, a blogosfera assume um imprescritível espaço de promoção da cidadania e da própria democracia, enquanto mensageira da representação do pensamento de cada português, que, de outro modo, jamais conseguiria obter a amplificação que aquele meio proporciona.
E quem diz democracia, diz liberdade. É inquestionável que a blogosfera representa a legitimação da liberdade de cada cidadão colocar na net tudo o que lhe vai na alma. E é exactamente no exercício desse sagrado benefício que, paradoxalmente, reside o perigo do sistema, que é enorme.
Ninguém questiona o direito de qualquer cidadão a exprimir, sem peias, num blogue, as suas opiniões, as suas críticas, os seus desejos, os seus fantasmas, desde que assuma, lealmente, a autoria do que escreve e publica. Já se contesta esse direito desde que praticado a coberto do anonimato, ou de falsas identidades, como é comum no mundo virtual.
3. É aqui que eu quero chegar. As pessoas sem escrúpulos transferem para a blogosfera as suas taras, as suas perversões, a sua podre maledicência, a sua desonestidade intelectual, no fundo, a sua cobardia. Que outra designação não pode ter quem, anonimamente, em textos ou comentários, denigre e achincalha respeitáveis pessoas, permite-se julgar quem não conhece, humilha e ofende quem não está de acordo com as suas ideias, vilipendia e insulta quem lhe dá na real gana, porque, no fundo, escreva o que escrever, ninguém é penalizado pela estrumeira que lança na Internet.
Ao contrário do que acontece nos media, que têm directores e coordenadores que filtram devidamente o espaço opinativo, na blogosfera reinam o caos e a anarquia, releva a linguagem de estrebaria, impõe-se a voz do ataque, da injúria, da difamação, dos sentimentos mais primários, na perspectiva de que ninguém descobrirá a respectiva autoria. E ninguém paga pelos delitos que, com a mesma linguagem, seriam penalizados na imprensa. A blogosfera está sem rei nem roque, sem princípios, sem valores, sem disciplina, sem a existência de uma autoridade que vele por comportamentos adequados a uma vida em sociedade, pautada por paradigmas de respeito, de ética, de rectidão, de probidade.
Dão vómitos certos conteúdos que vemos estampados, impunemente, na internet, agredindo gratuitamente pessoas e instituições, com a consciência saloia de quem sabe que nada acontecerá aos seus perversos autores. Porque os comentários são quase sistematicamente subscritos por esse oceano de cobardia e de falta de coragem para exercer a cidadania activa que dá pelo nome de “anónimo”.
A blogosfera tem um imenso défice de seriedade, de honradez, no fundo da responsabilidade que a liberdade deveria conferir. E não a libertinagem que por lá campeia…
4. Em suma, não acredito, por enquanto, na seriedade da blogosfera que, em grande parte, se se reparar bem, se acoberta atrás do anonimato e da cobardia. Se as pessoas mostram a sua identidade e a sua imagem e debatem os assuntos com honestidade e elevação, tudo bem. Mas o que se verifica, o mor das vezes, é lançar a pedra e esconder a mão, ofender, difamar, desvalorizar, a coberto do anonimato. Quem responsabilizar por opiniões ou comentários que não têm a hombridade de se assumir? Se a blogosfera se reconduz, em grande parte, a esta lama, só tenho de pedir desculpa por escrever de cara lavada!...
Faz falta uma entidade reguladora para a blogosfera, mas que exerça, de facto, essa importante missão disciplinadora, e não a farsa que são os reguladores da comunicação social, ou da electricidade, ou dos combustíveis, ou do que quer que seja, e de que ninguém lobriga a utilidade para os cidadãos.