domingo, 30 de dezembro de 2012

MANUEL PINTO LOPES ESTEVE NOS PORTUGUESES DE VALOR 2012

Estamos no final do ano e quero trazer aqui um facto que passou despercebido aos fafenses.
O nosso conterrâneo Manuel Pinto Lopes, empresário de sucesso em França e benemérito dos Bombeiros Voluntários de Fafe, integrou a selecção dos 100 Portugueses de Valor 2012, iniciativa promovida pelo grupo de comunicação social Lusopress, voltado para as comunidades portuguesas.
Trata-se de uma iniciativa realizada pelo segundo ano consecutivo e que se destina a premiar os emigrantes portugueses espalhados pelo mundo, homens e mulheres que, pelas mais variadas razões, se destacam pelo percurso que empreenderam ao longo das suas vidas profissionais. São artistas, empresários, desportistas, políticos, dirigentes associativos.

Desconhecemos (não conseguimos mesmo apurar) quem foram os 10 vencedores, mas honra-nos saber que o amigo Pinto Lopes foi seleccionado entre milhares de grandes portugueses que se salientam no âmbito da diáspora portuguesa.
Nascido em Fafe em 1956, abalou para França aos 11 anos e aí fez os seus estudos e trabalhou durante uma década na indústria com o pai, até se instalar por conta própria. Em 1987, começou a trabalhar no sector dos andaimes e há uma dúzia de anos abriu uma empresa nesse ramos que hoje empresa 47 pessoas, muitas das quais portuguesas.
Influenciado pelo pai, bombeiro voluntário em Fafe até emigrar, sempre teve gosto pelo espírito associativo, criando associações (futebol e folclore), em que avulta a fundação da Santa Casa da Misericórdia de Paris e, há uma dúzia de anos, uma agremiação de apoio aos Bombeiros Voluntários de Fafe, para a qual ofereceu oito viaturas e outros equipamentos.
Sente-se uma pessoa feliz, porque conseguiu realizar quase todos os seus sonhos. Se tivesse poder ilimitado, Pinto Lopes mudaria o egoísmo que considera ser comum hoje em dia e redistribuía a riqueza do mundo por todas as pessoas.
Não consegue passar sem a família, os amigos e um copo de champanhe.
“Acredito num mundo onde há a possibilidade de ultrapassar o egoísmo” é o seu lema.

Um país surreal!...


Este país é mesmo surreal.
O caricato secretário de Estado da Saúde, Fernando Leal da Costa, defendeu hoje que os portugueses têm a obrigação de contribuir para a sustentabilidade do SNS, prevenindo doenças e recorrendo menos aos serviços.
Ou seja, para que o Serviço Nacional de Saúde funcione quando eu estiver doente, não me desloco ao centro de saúde ou ao hospital. Posso gerir a doença em casa, qualquer que ela seja (eu sou médico e enfermeiro…), ou morrer por minha conta, para não onerar o erário público. Há que recorrer menos aos serviços…
Porque quando eu estou com saúde e apto a beber uns copos, obviamente não estou na disposição de pagar as taxas moderadoras para ir fazer uma visita ao meu médico de família.
Se vou aos serviços de saúde, é porque necessito deles! Ninguém quer estar doente, ninguém planeia estar doente.
Qualquer imbecil entende isso! Nem é preciso ser secretário de Estado.
Já quanto à prevenção, o caso é o mesmo. Tendo em vista que os cidadãos adoecem por via da alimentação, do ambiente, da poluição, da sua própria natureza, a prevenção pode fazer-se em matar os portugueses à fome, para não ingerirem ”venenos” (acabe-se com todas as superfícies comerciais), eliminem-se, de uma vez por todas, o tabaco, o trânsito automóvel, a produção fabril, a poluição dos rios, etc.
Reduza-se este país à nulidade, a zero, ao niilismo absoluto, como quer o governo. Aí já não haverá factores propiciadores de doenças, mas também não haverá portugueses!
Como sustentou hoje Luísa Ramos, do Movimento dos Utentes dos Serviços Públicos, que somos todos nós: «Esta gente tem de ser corrida o mais rapidamente possível».

O fracasso colossal da austeridade!...

 
O défice orçamental atingiu os 5,6 por cento no final do terceiro trimestre do ano, para quase sete mil milhões de euros, revelou esta sexta-feira o Instituto Nacional de Estatística (INE).
Já em comparação com o mesmo período do ano passado, o défice ascendeu a 6,7% do PIB.
A meta do Governo, exigida pela troika, é fechar o ano com um défice de cinco por cento - agora facilitado com a
venda da ANA aos franceses Vinci.
Mais uma vez se confirma o fracasso das políticas de austeridade colossal que este Governo está a empreender, despudoradamente, e que, afinal, não resolvem coisa nenhuma. A submissão à troika é mesmo um suicídio colectivo. As empresas estão a falir criminosamente, o número de desempregados já ultrapassa um milhão, o número de pobres cada dia é mais elevado, a emigração de jovens qualificados (ou não) não pára de aumentar. Os portugueses estão cada vez mais pobres, mais desesperados, mais desiludidos, mais tristes. Como se não houvesse amanhã, e não há. Não há a mínima esperança. O governo não é capaz de acender, com alguma dose de credibilidade, uma “luz ao fundo do túnel”. Navega à bolina, ao sabor dos ventos e das tempestades. Não demonstra um mínimo de sentido de Estado, que é aquela sabedoria que permite prever os acontecimentos, antecipar as crises, apontar datas para a recuperação (sem ser a demagogia do Pontal, obviamente). Suscitar alguma confiança dos portugueses.
Afinal, o roubo dos subsídios dos trabalhadores, a diminuição de milhares de funcionários do aparelho de Estado (não os boys e as girls que enxameiam escandalosamente os gabinetes dos ministros e secretários de Estado), o corte no investimento público, a venda do país ao retalho e a preços de saldo não chegam para desenvergonhar quem nos governa. Caso para questionar: quando esta gente for embora, o que não demorará muito, que país é que vai restar? Qual o património a que ainda chamaremos “nacional”? Empresas estratégicas, zero. Sectores lucrativos, zero. Que miséria de país será o que a direita nos vai legar?
O falhanço absoluto das políticas governamentais é patente. Só não vê quem não quer. Ou quem se deixa ludibriar pelos discursos delidoces e cor-de-rosa dos políticos sem vergonha e sem sensibilidade social, que deviam pedir desculpa aos portugueses! Não lhes ficaria mal!
A economia está destruída, o consumo público raia o grau zero. E o défice, mais uma vez, não vai ser cumprido. Ou sê-lo-á em razão de engenharias financeiras de que o governo é especialista.
Os cortes bárbaros e indiscriminados em tudo o que mexe, as poupanças cegas, a alienação desorientada de tudo o que possa render uns cêntimos, não chegam para atalhar o défice e consolidar as contas públicas.
Esta gente ainda não entendeu que a overdose de austeridade não está a resultar? E 2013: Passos Coelho não tem pejo, nas suas intervenções, em passar por cima do massacre fiscal com que vai torturar os contribuintes. Quem vai parar esta gente sem coração, sem escrúpulos, sem sentido da realidade?
Só os portugueses, colectivamente, sem dúvida!...
Cavaco Silva vai dizer o quê daqui a três dias? Passar uma esponja sobre um governo que não acerta uma previsão e que falha escandalosamente todas as metas?
Ou mandar umas “bocas” como fazia há poucos anos, em alguns casos com inteira razão? Como aquela em que defendia que “havia um limite para os sacrifícios dos portugueses”. Agora que esse limite foi ultrapassado, e os portugueses estão a caminho da miséria, que vai dizer aos portugueses quem jurou um mandato para os defender, jurando uma Constituição que o Orçamento de Estado viola, com a complacência do dito Supremo Magistrado da Nação?
Se os portugueses não conseguem confiar na última tábua de salvação de um regime democrático (o Presidente da República), vão confiar em quem?

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O Natal de outrora e de agora!


1. O Natal da minha infância era feliz, livre e puro. As preocupações não existiam na minha praia, longe disso. Era apenas criança e isso me bastava. Levantava-me, ia à escola ou à catequese, brincava longamente pela tarde fora, na altura em que as crianças ainda brincavam, inventando jogos, espaços e instrumentos para a sua distracção, fossem motas de madeira, carrinhos de rolamentos, corridas entre o milho, assalto às árvores à cata dos ninhos, os jogos das “betas” e dos botões que nos levavam clandestinamente a fiscalizar camisas, casacos e blusas da família com que pudéssemos reforçar o pecúlio do jogo. Quando a coisa corria mal, é que eram elas!... A pedagogia da lambada fazia maravilhas!...
Todo o ano desesperava pelo mês de Dezembro. A minha infância era órfã de pai vivo, emigrado em França desde o final dos anos 50, como acontecia a milhares de crianças como eu, num país oprimido, miserável, sem liberdade nem pão e que obrigava quem não queria estiolar à fome salazarista a ter de enfrentar o destino em direcção aos “bairros de lata” dos arredores de Paris. Naturalmente, em busca de uma vida melhor para si e para os seus.
Como eu esperava, ano após ano, a chegada de Dezembro!.. Dezembro que era o tempo em que meu pai regressava do país da abundância e das oportunidades, carregado de chocolates e caramelos, com um cheiro civilizado e intenso a perfume e aos cigarros “Gauloises”, que me encantava. Aí por meados do mês, eu tinha outra vez pai, que me levava à pesca, me convidava a acompanhá-lo à feira de Fafe, me levava ao futebol e fazia todo o esforço por não ter de exercer a “autoridade paternal”, que era normal na época, no mês em que aqui estava de férias, quando o meu lado rebelde se portava mal. Essa coisa da “educação” e da “criação”, com tudo o que supunha, estava a cargo da mãe, que cá ficava a mourejar ao longo do ano e que desempenhava simultaneamente o papel do progenitor ausente. Era uma autêntica heroína do nosso quotidiano, reconheci-o bem mais tarde, com toda a justiça.
Então, o Natal era o “must”. Como eu apreciava o afã feminino dos preparativos para a ceia, envolvendo as mulheres da casa, sobretudo a minha mãe, em quem recaía a tarefa de ir à horta cortar as tronchudas, mas também fazer os mexidos, a aletria e as rabanadas, cozer as batatas e o bacalhau, que sabiam como em nenhum outro dia do ano, acompanhados por alhos e cominhos. Ainda hoje me acontece o mesmo: o simples cozido de batatas e bacalhau, acompanhado pela verdura, tem na noite de 24 de Dezembro um sabor singular, absolutamente delicioso e irrepetível. Que saudades do calor da lareira, criado artisticamente pelo meu pai, com toros de madeira especialmente concebidos para aquela noite, que mais que o corpo, aqueciam a inocência da minha pequena alma.
E pela cozinha ficávamos horas e horas, afogueados pelas labaredas, a ouvir histórias de França e daqui, que a televisão ainda não era o utensílio democrático que seria anos depois.
Já não me recordo se havia também a missa do galo na igreja da paróquia mas, cansado dos dias de brincadeira e de frenesim, adormecia no sono dos justos até à manhã seguinte. Porque, por aquele tempo, não havia Pai Natal (essa desgraça de velho gordo fora do tempo inventada pela Coca-cola…) a distribuir presentes na noite de consoada. As crianças colocavam um sapatinho ou uma chanca debaixo da chaminé para que o Menino Jesus aí depositasse uma lembrança. Que era um mísero chocolate, uma dúzia de rebuçados, uma boneca ou uma moeda de vinte e cinco tostões. E eu ficava imensamente feliz com o presente que me calhava, num tempo em que de pouco termos estávamos mais próximos da plenitude. Tudo o que viesse era uma bênção e as crianças apreciavam tudo o que recebiam.
Ainda hoje o Menino Jesus é o meu herói de Natal, se é que tenho algum herói, do que duvido cada vez mais: rechonchudo, belo, nu, sorridente, simboliza a esperança e tudo o que começa.
Refiro-me ao Menino Jesus do poema do Alberto Caeiro, uma criança bonita de riso e natural, que ensina a olhar para as coisas, que aponta toda a beleza que há nas flores, a Eterna Criança, o deus que faltava, o humano que é natural, o divino que sorri e brinca, e que dorme dentro da minha alma, e às vezes acorda de noite a divertir-se com os meus sonhos.
Qual Pai Natal, qual quê?
 
2. O meu Natal de hoje é bem mais triste. Já não tenho infância, que habita apenas a memória. Fui perdendo a inocência, no embate com a fuliginosa e perversa realidade, ano após ano; fui deixando pelo caminho quem muito amava. A casa já não é a mesma, a lareira já não acende, com o fogo de outrora; há mais duas cadeiras desertas na mesa da consoada, dois pratos ausentes a encher o coração de mágoa, de lágrimas e de saudade inapelável. De um vazio insuprível, que só avalia quem passou pelo mesmo transe!
Natal em que, anualmente, maquinalmente, invocamos a solidariedade como exercício ético e do âmbito categórico do dever ser.
E ainda bem que a “solidariedade não está em crise”, como referia este jornal na edição de sábado, nas palavras do administrador dos Serviços de Acção Social da Universidade do Minho, Carlos Silva. O voluntarismo e a solidariedade são ainda âncoras neste bárbaro país da injustiça e do empobrecimento propositado!... Sobretudo numa altura em que a pobreza alastra, a fome espreita, o desemprego se multiplica assustadoramente.
O Natal acaba por mascarar demasiada hipocrisia mas apela ao que de mais humano, profético e poético há no homem. O sentido da fraternidade, do altruísmo, do humanitarismo, da dádiva gratuita e quase divina.
 “Paz na Terra aos homens de boa vontade...” – apetece repetir, com Gedeão, apesar de toda a miséria, dos conflitos e da crise que nem o espírito de Natal consegue obnubilar.
Festas felizes para todos os leitores.E que o ano de 2013 seja pelo menos bem melhor do que as dramáticas perspectivas que dele se anunciam. Havemos de sobreviver ao holocausto da crise!...
Boas Festas!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

INOLVIDÁVEL CONCERTO DE ANA MOURA NO TEATRO-CINEMA DE FAFE: AS FOTOS



Ana Moura protagonizou na noite de sexta-feira, 14 de Dezembro, no Teatro-Cinema de Fafe, um concerto absolutamente fantástico, onde passou em revista o seu mais recente álbum "Desfado", mas também canções e fados de outros discos. Ana tem uma voz portentosa, timbrada e muito versátil: sendo identitariamente fadista, ela canta temas da "música do mundo", do folclore português (como fez em Fafe) e interpretou um belíssimo tema de Joni Mitchell.
Enalteceu simpaticamente a nossa belíssima sala de espectáculos, que nos orgulha e é sempre motivo de elogios pelos artistas que nos visitam e aqui actuam.
Ana Moura: uma fadista de enorme projecção nacional e internacional (já cantou ao lado do Mick Jagger, dos Rolling Stones e do Prince, que é seu amigo), absolutamente simpática, linda e de talento "colossal".
Foi o último concerto da série "Concertos Íntimos" de 2012, da iniciativa do município de Fafe. Para o ano, há mais!...
 
Fotos: Manuel Meira Correia
 










 

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A blogosfera é ainda uma cobardia, sobretudo nos comentários!

1. O artigo mais recente do amigo Pedro Sousa, no Povo de Fafe, com o título “a blogosfera está a enriquecer Fafe”, suscita-me algumas considerações. Peço desculpa de ter de contrariar algumas das suas boas intenções.
Nele refere, designadamente, que “Fafe tem uma rede de blogues plural e diversificada”, o que é excelente. Considera depois que, “se até há bem pouco tempo não se olhava para a blogosfera como uma realidade fidedigna, hoje esta barreira está praticamente ultrapassada, devendo-se a dois factores fundamentais: identificação das fontes (indivíduos já conhecidos de outras lides e outros que vão surgindo no mesmo grupo) e a seriedade como são tratados os assuntos”. Nomeia depois três blogues alegadamente interessantes, o que é obviamente subjectivo.
Pedro Sousa considera, por ouro lado, que “é certo que a imprensa escrita é um meio fundamental para a comunicação e divulgação do que se passa no concelho, mas a blogosfera torna-se um complemento por excelência”.
2. Que a blogosfera é, hoje em dia, uma realidade incontornável para quem procura a informação mas, sobretudo, o comentário e a opinião sobre os acontecimentos, sejam numa dada localidade, no país ou no mundo, não há qualquer dúvida.
Praticamente desconhecidos ou escassamente utilizados ainda há poucos anos, os blogues explodem diariamente como cogumelos pelo espaço virtual. São do mais diverso género e pretendem atingir os públicos mais globais, bastando que para tal disponham dos requisitos mínimos, como seja um computador com ligação à internet. Substituindo um pouco o secular diário pessoal das nossas infâncias, em cujas páginas o leitor ia apondo os seus textos, os seus poemas, os seus desenhos, as suas análises ao que se passava à sua volta, os blogues constituem, na actualidade, a forma como os cidadãos vão reagindo ao momento, em cima das ocorrências. Alvitrando, julgando, avaliando, aplaudindo ou censurando. Os blogues acabam por se transformar na voz dos que não têm voz no dia-a-dia dos jornais ou, genericamente, da comunicação social, cada vez mais reduzida ao papel de porta-voz dos grandes interesses políticos, económicos, culturais ou desportivos deste país.
Assim, a blogosfera assume um imprescritível espaço de promoção da cidadania e da própria democracia, enquanto mensageira da representação do pensamento de cada português, que, de outro modo, jamais conseguiria obter a amplificação que aquele meio proporciona.
E quem diz democracia, diz liberdade. É inquestionável que a blogosfera representa a legitimação da liberdade de cada cidadão colocar na net tudo o que lhe vai na alma. E é exactamente no exercício desse sagrado benefício que, paradoxalmente, reside o perigo do sistema, que é enorme.
Ninguém questiona o direito de qualquer cidadão a exprimir, sem peias, num blogue, as suas opiniões, as suas críticas, os seus desejos, os seus fantasmas, desde que assuma, lealmente, a autoria do que escreve e publica. Já se contesta esse direito desde que praticado a coberto do anonimato, ou de falsas identidades, como é comum no mundo virtual.
3. É aqui que eu quero chegar. As pessoas sem escrúpulos transferem para a blogosfera as suas taras, as suas perversões, a sua podre maledicência, a sua desonestidade intelectual, no fundo, a sua cobardia. Que outra designação não pode ter quem, anonimamente, em textos ou comentários, denigre e achincalha respeitáveis pessoas, permite-se julgar quem não conhece, humilha e ofende quem não está de acordo com as suas ideias, vilipendia e insulta quem lhe dá na real gana, porque, no fundo, escreva o que escrever, ninguém é penalizado pela estrumeira que lança na Internet.
Ao contrário do que acontece nos media, que têm directores e coordenadores que filtram devidamente o espaço opinativo, na blogosfera reinam o caos e a anarquia, releva a linguagem de estrebaria, impõe-se a voz do ataque, da injúria, da difamação, dos sentimentos mais primários, na perspectiva de que ninguém descobrirá a respectiva autoria. E ninguém paga pelos delitos que, com a mesma linguagem, seriam penalizados na imprensa. A blogosfera está sem rei nem roque, sem princípios, sem valores, sem disciplina, sem a existência de uma autoridade que vele por comportamentos adequados a uma vida em sociedade, pautada por paradigmas de respeito, de ética, de rectidão, de probidade.
Dão vómitos certos conteúdos que vemos estampados, impunemente, na internet, agredindo gratuitamente pessoas e instituições, com a consciência saloia de quem sabe que nada acontecerá aos seus perversos autores. Porque os comentários são quase sistematicamente subscritos por esse oceano de cobardia e de falta de coragem para exercer a cidadania activa que dá pelo nome de “anónimo”.
A blogosfera tem um imenso défice de seriedade, de honradez, no fundo da responsabilidade que a liberdade deveria conferir. E não a libertinagem que por lá campeia…
4. Em suma, não acredito, por enquanto, na seriedade da blogosfera que, em grande parte, se se reparar bem, se acoberta atrás do anonimato e da cobardia. Se as pessoas mostram a sua identidade e a sua imagem e debatem os assuntos com honestidade e elevação, tudo bem. Mas o que se verifica, o mor das vezes, é lançar a pedra e esconder a mão, ofender, difamar, desvalorizar, a coberto do anonimato. Quem responsabilizar por opiniões ou comentários que não têm a hombridade de se assumir? Se a blogosfera se reconduz, em grande parte, a esta lama, só tenho de pedir desculpa por escrever de cara lavada!...
Faz falta uma entidade reguladora para a blogosfera, mas que exerça, de facto, essa importante missão disciplinadora, e não a farsa que são os reguladores da comunicação social, ou da electricidade, ou dos combustíveis, ou do que quer que seja, e de que ninguém lobriga a utilidade para os cidadãos.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Papiniano Carlos escreveu na morte de Joaquim Lemos de Oliveira, o “Repas”


 
Morreu esta semana, no Porto, o consagrado escritor Papiniano Carlos, um dos últimos representantes do neo-realismo português. Muito escreveu e publicou mas o que o tornou mais conhecido foi o livro ‘A Menina Gotinha de Água’, que todos lemos na infância.
O poeta, autor de "a Terra livre e insubmissa", que somava mais de 60 anos de militância comunista, contava 94 anos.
Papiniano Manuel Carlos Vasconcelos Rodrigues nasceu em Lourenço Marques, actual Maputo, Moçambique, a 9 de Novembro de 1918, fixando-se no Porto, aos 10 anos, onde estudou.
Publicou o primeiro livro de poesia em 1942, ‘Esboço’, quatro anos antes de ‘Terra com sede’, a sua estreia na ficção, e de ‘Estrada Nova’, com capa de Júlio Pomar, obra que seria apreendida pela PIDE, a polícia política da ditadura.
A adesão do escritor ao PCP remonta ao final da década de 1940, no pós-guerra, actuando na clandestinidade com o nome Garcia, numa alusão ao poeta andaluz Federico Garcia Lorca.
Na mesma altura, depois de ter frequentado a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, dedicou-se ao ensino, que teve de abandonar, por se ter recusado a subscrever a "declaração anticomunista", imposta pelo regime aos funcionários.
Deu explicações e foi delegado de propaganda médica. O escritor português foi preso três vezes pela PIDE.
Com Egipto Gonçalves, Luís Veiga Leitão, António Rebordão Navarro e Daniel Filipe, dirigiu "Notícias de Bloqueio", série de "fascículos de poesia", publicados no Porto entre 1957 e 1961, designação da revista, retirada do título de um poema de Egipto Gonçalves.
Colaborou nas revistas Seara Nova e Vértice e integrou os corpos dirigentes do Círculo de Cultura Teatral do Teatro Experimental do Porto.
‘A Menina Gotinha de Água’, para a infância, que viria a marcar o ressurgimento do género, a par das obras de Matilde Rosa Araújo, foi editada na década de 1960 e constitui um dos seus maiores êxitos editoriais.
Entre outros livros, Papiniano Carlos escreveu ‘Mãe Terra’ (1948), ‘As Florestas e os Ventos’, ‘A Rosa Nocturna’ (1961), ‘A Ave sobre a Cidade’ (1973), ‘O Rio na Treva’ (1975).
Há na sua obra um poema que o associa a Fafe e concretamente ao mártir do fascismo Joaquim Lemos de Oliveira, o “Repas”, cujo nome está perenizado na Praça Mártires do Fascismo, no centro da cidade.
Em 1957, por ocasião da morte de “Repas”, nos calabouços da PIDE, no Porto, Papiniano Carlos publicou o poema seguinte:
 
Glória a Joaquim Lemos de Oliveira
 
Em Fafe
O cemitério
ficava entre campos lavrados
a meio da colina.
 
Aí iria descansar o herói anónimo
de sua tarefa, sofrimento e morte.
Sentindo bem junto à violada face
a carícia das madrugadas.
O sorriso das espigas,
a frescura do orvalho de manso
gotejando entre as raízes
de seu coração.
 
Entre alas de povo
o caixão atravessava lentamente
o pequeno cemitério.
Entre dezenas de polícias armados
de metralhadoras
Joaquim Lemos de Oliveira
ia agora descansar no seu coval.
Foi quando, no silêncio da colina,
a voz dum menino atravessou os ares,
atravessou o fogo, o chumbo, a violência,
o terror, a morte.
O menino gritava:
- Eu vou crescer, vencer contigo, meu pai!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

República e Incursões Monárquicas - Um Padre Guerrilheiro de Barroso

Com o título em epígrafe, foi publicado pela Âncora Editora um interessante livro dos investigadores barrosões António Chaves, Barroso da Fonte (distinto amigo e colaborador do jornal local Povo de Fafe), Bento da Cruz e José Baptista.
A obra teve como pretexto a passagem do centenário da segunda incursão monárquica (1912), a qual causou grande impacto e repercussão nesta região, de Fafe a Vinhais, passando por Cabeceiras de Basto, Chaves, Valença do Minho e Porto. Mas também os 150 anos sobre o nascimento do que viria a tornar-se o “Padre Guerrilheiro”, em plena I República, o Padre Domingos Pereira, um dos mais destacados promotores da contra-revolução monárquica nesta zona, que viu a luz do dia em Vilarinho de Negrões (Montalegre), em 9 de Agosto de 1862.
Ordenou-se sacerdote, aos 24 anos, em 1886 e foi colocado na paróquia de Outeiro, em Cabeceiras de Basto, por influência familiar, sobretudo de seu tio, Padre João Albino Carreira, pároco de Refojos. “Cedo o atormentou a verruma da política que então era mesmo política activa e fervorosa mesmo entre o clero” (José Baptista). Filiou-se então no Partido Regenerador, cuja paternidade ideológica se deve a Alexandre Herculano e do qual fizeram parte o Marechal Saldanha e Fontes Pereira de Melo, entre outros.
Próximo de 1900, milita activamente no Partido Regenerador e entra com afinco na campanha eleitoral desse ano. É chamado ao Paço Arquiepiscopal de Braga, onde o arcebispo, D. Manuel Baptista da Cunha, o incita a aderir ao Partido Progressista, sob a ameaça de perder a sua situação privilegiada. O prelado advertiu-o de que, em caso de recusa, seria transferido para uma paróquia sertaneja.
O Padre Domingos Pereira não aceitou a imposição, que ia contra a sua liberdade e integridade de carácter.
De imediato devolveu o mandato da paróquia de Outeiro, retirou o cabeção e a sotaina e abandonou o magistério sacerdotal, após apenas 13 anos de pároco.
Regressou a Cabeceiras, trocando o sacerdócio pela política local, “onde alcançou grandes vitórias em todo o distrito bracarense a favor dos regeneradores”. E foi nesta linha que, sempre que os regeneradores ganhavam as eleições, Domingos Pereira era nomeado administrador concelhio. Por isso, chegou a ser administrador em Fafe e em Cabeceiras de Basto, pelo Partido Regenerador, o mesmo de Paiva Couceiro, em cujas hostes acabaria por tornar-se guerrilheiro.
Sem outros meios de subsistência, passou a dedicar-se ao ensino, como professor de História, Geografia, Português e Latim, no liceu de Cabeceiras, o que acabou em 1908. O Padre Domingos Pereira (que manteve a designação de “Padre” por toda a vida, apesar de nunca mais ter exercido o sacerdócio) passou por algumas dificuldades, mas manteve o seu “mandato monárquico”, incitando vizinhos e amigos a manterem-se fiéis a Deus, à Pátria e ao Rei.
Após o 5 de Outubro de 1910 e a instauração da República, o Padre Domingos Pereira toma o “partido” da resistência monárquica ao novo regime, enfileirando nas hostes de Paiva Couceiro, que foi praticamente o último e único monárquico a combater os republicanos, na Rotunda.
Tornou-se, assim, um “agitador monárquico, com forte implantação regional e de reputação nacional” (António Chaves).
Participou nas incursões monárquicas, sob a inspiração de Paiva Couceiro, ao lado dos paladinos da “Monarquia e da Santa Religião”. Aliás, o clero era o principal instigador da rebelião das populações, na sequência das polémicas medidas decretadas pelo Governo Provisório, e em especial por Afonso Costa, contra a Igreja e as ordens religiosas.
Pela participação na rebelião apanhou duas décadas de penitenciária, à revelia, mas nunca cumpriu, por se ter homiziado na Galiza ou andar pela sua terra, clandestinamente.
Voltaria a participar na contra-revolução monárquica de 1919, concretamente na “Monarquia do Norte” (19 de Janeiro/13 de Fevereiro), popularmente conhecida por “Traulitânea”, dados os abusos cometidos sobre os republicanos. Domingos Pereira servia de elemento de ligação entre os combatentes no terreno e o chefe Paiva Couceiro, presidente da Junta Governativa, que estava no Porto.
Frustrada a restauração monárquica no norte, o Padre Domingos Pereira volta a exilar-se na Galiza (como Paiva Couceiro e a generalidade dos conspiradores). Julgado à revelia no Tribunal Militar do Porto, foi condenado a 20 anos de prisão maior, como tinha acontecido sete anos antes.
Porém, embora condenado a 40 anos de cadeia, pelas duas vezes em que participou na alteração da ordem republicana, o conhecido “guerrilheiro” não cumpriu um único dia de prisão.
Conhecido como “cabecilha das incursões monárquicas na zona de Basto” (Barroso da Fonte), Domingos Pereira teve mulher e no mínimo seis filhos e passaria os últimos vinte anos da sua vida em maior acalmia, embora com dificuldades materiais. Faleceria em 1945, com 83 anos de idade.
José Baptista considera que “O Padre Domingos foi homem de convicções e nobilitante dignidade pessoal”. Já o amigo Barroso da Fonte refere que “A sua vida foi uma luta constante pela defesa das suas ideias” e conclui o seu texto, “Domingos Pereira – Glória e Martírio de um Padre Guerrilheiro”, com estas palavras: “A firmeza do seu carácter, a frontalidade da sua conduta, a obstinação irrepreensível da sua teimosia, mesmo correndo todos os perigos pessoais e familiares, podem merecer censuras. Mas são essas algumas das virtudes que diferenciam os homens e conduzem à epopeia da liberdade”.
Enfim, estamos em presença de uma excelente biografia, em diversos tons, diria, a oito mãos, sobre um dos personagens mais emblemáticos da guerrilha nesta região, na primeira década da I República.
 
(Povo de Fafe, 07 Dezembro 2012)

Uma crónica de (expressivas) citações!


Hoje deu-me a preguiça. Vou entreter-me com duas citações, interessantes referências de artigos que andam por aí e a que certamente alguns dos nossos leitores não tiveram acesso.
No fundo, é aquilo que eu gostaria de escrever na crónica de hoje, mas que os seus autores conseguem expressar bem melhor e mais convincentemente que eu. Por isso, o melhor é não ser redundante e poupar os leitores ao massacre semanal. Vamos a isso.
1. Domingos Amaral, filho de Diogo Freitas do Amaral, já conceituado jornalista e escritor, autor de obras consagradas e muito interessantes (já li algumas) como “Enquanto Salazar Dormia” (2006), “Já ninguém morre de amor” (2008), “Quando Lisboa tremia” (2010) e “Verão Quente” (2012), publicou um significativo artigo de opinião que circula nas redes sociais sobre o que exige a troika e o que está a impor o governo de Passos Coelho. E não tem nada a ver, como se verá já a seguir. Aqui se expressa, e bem, mais uma vez, o descaramento de um governo sem os níveis mínimos de competência, aptidão e capacidade e que em tudo o que decide se escuda, miseravelmente, no “memorando” assinado com a malfadada troika, que há muito foi ultrapassado e desvirtuado:
 2. A segunda citação é de um outro texto de opinião da autoria do jornalista Pedro Tadeu e que foi publicado no “Diário de Notícias” desta terça-feira, com o título “Passos Coelho não sabe nada de Constituição”. Eis um excerto:
 
Passos Coelho, na TVI, disse: "A Constituição trata o esforço na educação de forma diferente do da saúde. Isso dá-nos, do lado da educação, alguma margem de liberdade para um financiamento mais repartido entre os cidadãos e a parte fiscal, directa, assegurada pelo Estado".
Li a Constituição. Determina que o Estado assegura o direito à protecção da saúde "através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito" e que deve "garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde".
Na educação o Estado tem de "assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito" e para isso "criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população".
 
Conclusão 1: A Constituição dá alguma margem de manobra para o financiamento do sistema de saúde (com as frases "tendencialmente gratuito" e "garantir racional e eficiente cobertura") enquanto na educação fecha o critério (utilizando expressões como "universal, obrigatório e gratuito" ou para cobrir "toda a população").
Conclusão 2: O primeiro-ministro não conhece a Constituição.
 
("Escrita em Dia", Povo de Fafe, 7 Dezembro 2012)